sábado, 9 de abril de 2011
Os “bastidores” de uma tragédia? Por Dom Paulo Cardoso, bispo de Petrolina
Trágico dia 7 de abril! O Brasil parou estarrecido e perplexo diante do macabro “espetáculo” das crianças mortas, no massacre de Realengo.
Não seriam elas as vítimas inocentes dos camuflados “herodes” de hoje?
A primeira reação é de natural comoção. Lamentavelmente, ecoa de novo a palavra do Profeta Jeremias: “Ouviu-se uma voz em Ramá, choro e grande lamentação: Raquel chora seus filhos; e não quer consolação, porque eles já não existem” (cf. Evangelho de Mateus 2, 17-18).
Depois da comoção, a interpelação a todos nós para uma profunda reflexão, se não um convite para a conversão à causa da Vida.
O que estaria “por trás” de tão horrendo espetáculo? Comecemos pelo “ver”, a partir dos próprios noticiários constantes dos meios de comunicação. Não são de hoje, não são poucos os relatos em torno de situações de nossas escolas públicas. Adolescentes desnorteados, resultado de lares inexistentes ou desajustados. Mestres e mestras apavorados e impotentes, “com medo” dos alunos. Tráfico e consumo de entorpecentes na escola...
É notória a precariedade do ensino fundamental e médio na escola pública, se comparado, já nem dizemos com o Japão ou a Alemanha, mas com países da America Latina.
Contracenando com isto, as propostas “educativas” de uma sociedade consumista e hedonista.
As pretensas “campanhas educativas anti-Aids”, por parte do governo, na prática, se transformam em estímulo à pratica irresponsável do sexo entre adolescentes e jovens. Sem falar de atitudes populistas de pessoas “constituídas em autoridade” jogando, de cima de palanques carnavalescos, preservativos para populações jovens “enlouquecidas”. Quando esta distribuição não acontece dentro da própria escola através de seus gestores!
Depois, vêm a hipócrita “admiração’ e a “preocupação” das mesmas autoridades, diante do fato da crescente gravidez de adolescentes, do aborto clandestino, da disseminação da AIDS...
Complementando, todos sabemos o que significam certos programas imorais de poderosas redes de televisão.
E que dizer da desavergonhada rede de motéis, como estimulo ao sexo irresponsável e fonte de sórdido lucro para seus investidores? Adolescentes e jovens vão desde cedo “aprendendo” que tudo isto é muito “normal”.
Na escola pública, sobretudo para a população juvenil pobre, falta uma proposta educacional que lhe proporcione uma perspectiva de vida e de um futuro de autêntica inclusão social.
Um rápido acento à questão do desarmamento. A Igreja e outras entidades sérias promoveram aquela importante campanha. E a própria sociedade – manipulada pelos grupos de interesse econômico, frustrou a campanha. Pois o que importa é produzir, vender, exportar armas. As vítimas? Ora as vítimas!...
Chegamos a um modelo “pós-moderno” de sociedade que, frustrada diante de uma perspectiva de sentido para a vida, parte para o “imediatismo’. O que importa é “consumir” e “gozar”, aqui e agora.
Talvez alguém reaja contra o tom possivelmente “moralista” desta nota. Pode até ser. Mas nos parece que, mesmo independentemente de uma proposta cristã ou católica de comportamento, no íntimo de cada ser humano existe uma “lei natural” (voz do Criador?) que sussurra: “Faze o bem, evita o mal”. É a base para toda outra lei positiva, inclusive religiosa. E, em se tratando daqueles que crêem na Pessoa e na proposta de Jesus Cristo, o comportamento ético, moral e religioso é ou deveria ser conseqüência natural.
Volto ao título desta reflexão. Muita coisa não estaria nos “bastidores” dos palcos de massacres e situações como a do Rio? Não teria sido o próprio “exterminador”, uma conseqüência do modelo social que se vai oferecendo a nossa juventude pobre?
A nós, como Igreja e como cristãos, a grande missão e responsabilidade: testemunhar e propor Jesus Cristo como o Caminho para que todos tenham vida, vida com dignidade, vida cristã.
Então, sim, sumirão os “contra-regras” dos bastidores dos palcos, os camuflados “herodes” de hoje. Já não haverá mais cenas trágicas como as de Realengo...
Dom Frei Paulo Cardoso – Bispo de Petrolina